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O Meu País

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A Multa e a Cunha

imagem_deco_comunicacoes.jpgComo técnico qualificado, voltei ao Convento da Tapada acompanhado por uma equipa de trabalho para proceder à ampliação da rede telefónica e reparação de uma série de avarias. A equipa era constituída por mim pelo Carlos V., pouca gente, mas boa e competente. O Carlos na altura era Cabo, bom rapaz e trabalhador, eu era Primeiro-sargento, trabalhador e bom rapaz, mas dava sempre jeito levar um ajudante, porque havia sempre alguém não só com quem conversar como também para ajudar a carregar o escadote. A deslocação a partir do Castelo fez-se no primeiro dia em viatura da tropa, como mandam as regras que assim seja e, nos dias seguintes, por razões logísticas e de interesse mútuo, fez-se através de meios a expensas próprias: iam os dois dormir a casa (de cada um), mantendo a apresentação no Convento da Tapada (por razões de rentabilidade de ajudas de custo), regressando no dia seguinte de viatura auto própria: ora na própria de um, ora na própria do outro.
Por razões de ocupação do espaço combinado com rendimento do tempo disponível (entenda-se como comodidade) o estacionamento de eleição ficava junto à entrada principal do Convento, que por sinal era parque privativo da Câmara Municipal que ficava lado a lado com a Esquadra da PSP, lado a lado com o Convento. No final de um dos dias trabalho, deparámos com um papel rectangular, com o logotipo da Polícia de Segurança Pública, entalado na escova do pára-brisas. Que merda, disse o Carlos, Ó meu Primeiro, já viu isto, Ó pá, isso resolve-se, respondi-lhe, já a pensar em usar a ajuda do meu amigo Capitão Midões Capela (chefe da secretaria), no sentido de, por sua influência, obter o perdão da multa, Amanhã a gente trata disso, disse para o tranquilizar. E tratámos.
No dia seguinte, enquanto um subiu à escada (Carlos V.) o outro subiu ao gabinete do Chefe da Secretaria (eu) e expôs-lhe a questão, Tu nem precisas de mim, disse o capitão Capela, A PSP tem lá uma extensão da nossa central que está avariada há mais de três meses e andam fartos de chatear, arranja maneira de a reparares e aproveitas a deixa. Sem mais demoras, o escadote mudou de área e foi alterado de imediato o plano desse dia, começando a equipa em pesquisa de rabo para o ar durante a manhã inteira a tentar descobrir o caminho seguido pelo cabo que servia a Esquadra (tratava-se de um traçado aéreo pro cima dos telhados). Identificado o traçado e depois de reparada avaria (um corte provocado pela humidade e corrosão), fui como herói, anunciar a boa nova ao Chefe da Esquadra, O quê, experimentar esse telefone? Isso está avariado há mais de três meses, Não está nada, isto já está a trabalhar. E, para o comprovar, fizemos uma troca de chamadas com o capitão Capela, não sem o Chefe da Esquadra ter dito entretanto meia dúzia de “Hum-Huns”, como quem não quer acreditar que ele às vezes há milagres. Sim senhor, estou-lhe muito agradecido, isto dá-nos imenso jeito, sabe que comunicamos muito com o Tribunal (o tribunal também era servido por uma extensão telefónica da mesma central militar), e assim escusamos de gastar dinheiro em chamadas, sabe, compreende, enfim, coisa e tal...Já agora, senhor Subchefe, e não querendo abusar da sua boa vontade, pode fazer alguma coisa por esta multa de estacionamento que nos colocaram ontem no carro?, Ó pá, (o Subchefe a arquear as sobrancelhas), mas isso já foi ontem, Pois foi, Mas é que isso já seguiu para o comando de Loures, você agora tem de fazer um requerimento a dizer que estava cá em serviço e enfim, pode ser que o Comando de Loures aceite, Mas, e se o senhor telefonar para lá, acha que é preciso tanta coisa? Pois é, mas eu não gosto de me meter nessas coisas, sabe, enfim, é melhor você escrever, isto respondeu o Chefe da Esquadra, sem eu estar à espera de tal confidência. Um bocado revoltado pela ingratidão na troca de favores, contei ao Carlos o resultado do pedido. Como o Carlos ficou ainda mais chateado do que eu uma vez que tinha de pagar a multa, disse-lhe fingindo que acreditava num bom desfecho, Ó pá, fazemos o requerimento, eu escrevo e tu assinas, pode ser que pegue!
Fez-se o requerimento, enviou-se a quem de direito e a verdade é que, nunca tendo havido uma resposta, também nunca chegou multa para pagamento. Mas tinha de haver vingança, as coisas não podiam ficar por uma mera frase de, “Pois é, mas eu não gosto de me meter nessas coisas...”
Cerca de dois meses mais tarde, numa nova visita de apoio técnico e por mero acaso, encontrei o Subchefe num dos corredores do Convento, atirando-me este em alta voz mal me avistou, Ó senhor Primeiro, olhe que o nosso telefone avariou ainda naquele dia em que o senhor esteve na esquadra, Ah foi? sabe, respondi-lhe (o senhor primeiro era eu, bem entendido), O cabo está muito corroído, é da humidade corrosiva devido ao sal…
Na verdade, depois de ter recebido a fria resposta do Chefe da Esquadra a quem tínhamos acabado de servir, lembrámo-nos imediatamente onde tinha sido feita a emenda no traçado telefónico da extensão e foi simples, bastou desfazer depois o que havia sido feito antes.
Ingratidão a quanto obrigas…

António J. Branco, In, Figuras de Cera

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